sexta-feira, 17 de abril de 2015

Sobre a redução da maioridade Penal

Nas ultimas semanas foi aprovado na CCJ (Comissão da Câmara dos Deputados) a PEC 171/93 que reacende o debate da PEC 33/2012 (derrotada em 2014) que se propõe alterar os artigos da CF: 129 e 228. No decorrer deste texto elucidarei o motivo pelo qual tal proposta é falaciosa e tenta retirar do Estado Brasileiro sua parcela de culpa no que tange a omissão em cumprir seu papel de ESTADO. Que conta com conivência da Sociedade Brasileira.
Existem alguns mitos sobre o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) e as medidas socioeducativas previstas para ressocialização de crianças e adolescentes em conflito com a lei que precisamos trazer a luz.
Algumas falas se fundamentam na 1) teoria da “retribuição, vingança e retaliação” baseando se para isso na filosofia do “olho por olho, dente por dente”, somada com 2) teoria da dissuasão (Deterrence) que é “uma retaliação contra o criminoso e uma ameaça a outros, tentados a cometer o mesmo crime ou seja a “punição que seja exemplar”, se contrapõe a proposta da teoria que se baseia o ECA que é a  3) teoria da reabilitação “que consiste em reformar deficiências formativas do indivíduos (não o Sistema) para que retorne a sociedade como um membro produtivo.  
Tais teóricos que defendem a teoria 1 e 2,  costumam dar enfoque que 90 mil menores comentem crimes no país e que por conta do ECA não se pode punir os “delinquentes juvenis” e que se um adolescente pode votar ele pode ser punido. Usam também o argumento que o Brasil está na contra mão do mundo por que outros países reduziram a maioridade penal.

Vamos elucidar esse balaio de gatos.

1º pelo direito ao voto, destaco que essa argumentação não tem fundamento visto que o voto aos 16 anos é um direito adquirido pela juventude, sendo opcional e não obrigatório, sem contar que os mesmos podem votar e não podem ser votados. Mesmo que o adolescente vote hoje em um politico/candidato(a) ele pode se arrepender e votar em outro na próxima eleição o voto dele não é eterno e muito menos perpetuo.
2º a argumentação de que o ECA não permite punir os adolescentes por seus crimes. No ECA o adolescente de 12 a 18 anos é responsável por seus atos e responde por seu ato infracional de acordo com as medidas de ressocialização impostas no ECA que podem ser de acordo com a gravidade: ADVERTÊNCIA, REPARAÇÃO DE DANOS, PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE, LIBERDADE ASSISTIDA, SEMILIBERDADE e INTERNAÇÃO. Não é verdade como argumentam alguns que eles só podem ficar até 3 anos, a verdade é que eles podem cumprir medidas socioeducativas por até 9 anos, postergadas por mais 3 anos. Os que fazem questão de destacar que 90 mil adolescentes cometem crimes no país, 96% destes não tem o fundamental completo, não falam que esse número se for extraído da estática é alto, porém se comparado com 21 milhões de adolescentes, 12 a 18 anos no país gera uma taxa de 0,5% da população jovem do Brasil e que 30 mil desses 90 mil cumprem medidas socioeducativas. Lei tem só resta ser cumprida.

3º a argumentação de que o Brasil deve reduzir a maioridade para acompanhar a tendência mundial. Das 57 legislações analisadas pela ONU, somente 17% adotam idade inferior a 18 anos, cito que Alemanha e Espanha elevaram recentemente para 18 anos a idade penal em seus países e a Alemanha ainda criou um sistema especial para julgar jovens na faixa de 18 a 21 anos. Tomando por base os 57 países pesquisados pela ONU a média de adolescentes infratores é de 11,6%, a média Brasileira é de 10% portanto dentro dos padrões internacionais abaixo do índice. No Japão eles representam 42,6% e mesmo assim a idade penal no país é de 20 anos.

O que a PEC 171/93 aprovada na CCJ tenta esconder é que os jovens brasileiros são as maiores vitimas do Estado. Entre 1980 a 2010 os homicídios de crianças e adolescentes brasileiros cresceram em disparada 346%. De 1981 a 2010 mais de 176 mil foram mortos e só em 2010 o numero foi de 8.686 crianças e adolescentes assassinadas, ou seja, 24 POR DIA!
Segundo a OMS, o Brasil ocupa a 4º posição entre 92 países do mundo analisados na pesquisa. No Brasil ocorrem 13 homicídios para cada 100 mil crianças e adolescentes. Percentual 50 a 150 vezes maior que países como Inglaterra, Portugal, Espanha, Irlanda, Itália e Egito, no qual as taxas chegam a 0,2 homicídios para a mesma quantidade de crianças e adolescentes.

O revanchismo
Os recentes casos de destaque das medidas socioeducativas com os casos da Fundação CASA-SP que teve entre seus internos no ultimo ano 2014/2015, 542 alunos como finalistas da 10º Olimpíada Brasileira de Matemática-OBMEP e na mesma unidade teve um interno finalista no Concurso Nacional de Poemas, relatando sua realidade na fundação. Um interno de 17 anos da unidade Anhanguera em Campinas aprovado em duas universidades para os cursos de engenharia ambiental na Universidade São Francisco, e para UNESP no curso de geografia, além de ter sido aprovado também no curso técnico em química.
A pergunta capital é como apesar de todas as provas de que as medidas socioeducativas cumprem o papel da ressocialização e humanização do que a sociedade e o Estado brutalizaram, podemos pensar que mais cadeia ajudaria a melhorar o quadro?
Somente uma sociedade que se constituiu autoritária e fechada no próprio “EUcentrismo” não nota que existem atualmente 40 milhões de crianças e adolescentes abandonadas no país, que o governo pouco faz para corrigir essa distorção social. Essa mesma sociedade baseada em uma família igualmente autoritária propõe que se reduzirmos a maioridade penal irá coibir crimes, somente para se isentar da omissão social que ela e o Estado têm, a culpa pelo aumento da desigualdade social no país.
O modelo de teoria de ressocialização proposto no ECA
Ressocializa 80% dos adolescentes em conflito com a lei. 20% são reincidentes, no atual sistema prisional brasileiro 30% são ressocializados e 70% são reincidentes. O atual congresso e a mídia burguesa tentam nos convencer a trocar uma modelo de ressocialização que reabilita ao convívio social 80% dos atendidos para jogá-los em um sistema que ressocializa 30%. É isso?

Sistema Prisional Brasileiro e no Mundo
Na tendência de 20 anos em negarmos as condições sociais e suas desigualdades, o conjunto da sociedade, impulsionados pela Burguesia Brasileira, jornais, emissoras de TV e a classe média galgaram que o problema da violência no Brasil é questão de mais policia, então a politica publica foi repressão, repressão e mais repressão, e construção de mais cadeias até que o sistema esteja saturado como está. Relembrando um dado que muito já foi debatido, (os 90 mil adolescentes em conflito com a lei) destaco os “90 mil” por ser esse o numero de presos no sistema brasileiro antes da virada da politica inspirada no “tolerância zero” do prefeito de NEW YORK, (na nossa adaptação, gratificação faroeste). Passados 20 anos de repressão, vemos uma nova lógica, eles viram seus canhões e capitães do mato para atacar a juventude que em sua maioria é pobre e negra.
Vamos aos números, em 1990 tínhamos 90 mil presos no Sistema Penitenciário Brasileiro, no final de 2010 já havia 500 mil, um aumento de 450% ou seja, a 4º maior população carcerária do mundo, ficando atrás apenas de EUA (2,2 milhões), China (1,6 milhões) e Rússia (740 mil). O que não reduziu, tampouco desestimulou o numero de crimes e sua violência. Um sistema que não ressocializa, só é capaz de gerar mais ódio e esse ódio volta.
Cabe destacar que de 2000 até 2007 a população carcerária no Brasil subiu 81,53% em contra partida países que investiram na teoria da reabilitação em seus sistemas prisionais como Noruega, Dinamarca e Holanda, passam pelo problema de fechar prisões. Na Noruega se reabilita 80% de seus presos.
O dado mais evidente de que se deve investir em ressocialização ao invés da politica de vingança, é o fato de a Holanda ter prisões ociosas ao ponto de alugar para outros países que não adotam a teoria da ressocialização. Segundo o pensamento da jurisprudência norueguesa a ordem é ressocialização e reintegração dos presos à sociedade.
Os profissionais que atuam nos presídios são capacitados para lidar com os presos de maneira a ressocializá-los, passam por no mínimo 2 anos de treinamento em faculdade para se formarem em profissionais do sistema penitenciário.

Perfil dos encarcerados no Brasil e no Rio de janeiro
Dos 500 mil presos no Brasil sua maioria é de jovens entre 18 a 34 anos (75,16%) e homens (95,6%). No que tange a cor os dados são assustadores cerca de 40,25% são brancos e 55,61% são não-brancos, segundo a média Nacional. Quanto a sua formação educacional 64,26% não tem o fundamental e 8,77% o ensino médio, 0,93% possuem nível superior. As mulheres correspondem a 5,72% dos presos no SPB (Sistema Penitenciário Brasileiro).
No Rio de Janeiro 12% dos presos são brancos em contrapartida os não-brancos somam 88% dos presos e possuem formação escolar até o 6º ano (antiga 5º Serie). Tendo em vista que temos pouco mais 127 anos de abolição da escravidão nesse país, os negros que hoje estão em cárceres são do mesmo tipo e da mesma cor dos que foram alforriados em 1888. Mas que não tiveram nenhum amparo desse Estado, livres sim, porém abandonadas a própria sorte. Foram transportados das senzalas para as cadeias e bairros pauperizados. Somente conhecem um lado do Estado, seu braço armado.
O texto se propõe a debater o real problema por trás do Sistema Prisional Brasileiro e da PEC 171/93 que reacendeu PEC 33/2012 (já derrotada), que é o racismo de Estado, institucionalizado. Além de ressaltar a divisão de classes nesse país, convido todas e todos a pesquisarem, qual filho da classe média ou da burguesia desse país cumpre medidas socioeducativas ou prisão em regime de reclusão? A questão sempre foi de Classe...


Referências Bibliográficas:
BORGES, Éverton André Luçardo. ECA: Adolescente infrator e politicas para ressocialização. Disponível em: <http://ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=13694&revista_caderno=12>. Acesso em: 14 abr. 2015.
CHAVES, Antônio. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. 2ª ed. São Paulo: LTr, 1997.
COSTA, Dionísio Leite da. Reflexões sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente. Revista Direito e Paz. São Paulo: n° 02, 2000.
CURY, Munir et alli. Estatuto da Criança e do Adolescente Anotado. 3ª ed. Revista e Atualizada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,2002.
FAJARDO, Vanessa. Interno da Fundação Casa é finalista de concurso nacional de poemas: Jovem de 17 anos cumpre medida por tráfico; é sua terceira passagem. Ele disputará a final com 37 alunos de escolas públicas de todo o país.. 2014. Disponível em: <http://g1.globo.com/educacao/noticia/2014/10/interno-da-fundacao-casa-e-finalista-de-concurso-nacional-de-poemas.html>. Acesso em: 14 abr. 2015.
FERREIRA, Bruno; DUDYK, Kathia; CHITA, Thaís. As 18 Razões: As 18 Razões CONTRA a Redução da Maioridade Penal. 2014. Disponível em: <https://18razoes.wordpress.com/quem-somos/>. Acesso em: 14 abr. 2015.
HARNIK, Simone. Interno da Fundação Casa é aprovado na Unesp: Jovem de 19 anos da antiga Febem foi aprovado no curso de geografia. Ele também conseguiu vaga em curso técnico de química em Campinas. 2008. Disponível em: <http://g1.globo.com/Noticias/Vestibular/0,,MUL731231-5604,00-INTERNO+DA+FUNDACAO+CASA+E+APROVADO+NA+UNESP.html>. Acesso em: 14 abr. 2015.
 G1, Redação. 542 internos da Fundação Casa estão na final da Olimpíada de Matemática: Segunda fase da Obmep será aplicada neste sábado (13). Jovens da rede pública de todo o país participam da competição. 2014. Disponível em: <http://g1.globo.com/educacao/noticia/2014/09/542-internos-da-fundacao-casa-estao-na-final-da-olimpiada-de-matematica.html>. Acesso em: 14 abr. 2015.
MACEDO, Natália. Brasil 500 mil presos: campeão mundial em crescimento carcerário (2). 2011. Luiz Flávio Gomes. Disponível em: <http://professorlfg.jusbrasil.com.br/artigos/121823546/brasil-500-mil-presos-campeao-mundial-em-crescimento-carcerario-2>. Acesso em: 14 abr. 2015.
MELO, João Ozorio de (Ed.). NORUEGA CONSEGUE REABILITAR 80% DE SEUS CRIMINOSOS. 2012. Disponível em: <WWW.CONJUR.COM.BR/2012-JUN-27/NORUEGA-REABILITAR-80-CRIMINOSOS-PRISOES>. Acesso em: 11 abr. 2015.
VASCONCELOS, Terezinha Pereira. Medidas socioeducativas para o adolescente infrator(educar para não encarcerar). 2012. 31 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Psicanalise na Educação e Saúde, Departamento de Pós-graduação e Pesquisa Funeso/unesf/unider, Funeso/unesf/unider, Campina Grande, 2012. Disponível em: <http://www.iunib.com/revista_juridica/2013/02/22/medidas-socio-educativas-para-o-adolescente-infrator-educar-para-nao-encarcerar/>. Acesso em: 14 abr. 2015.
TORELLY, Elisa; SILVA, Mayara; MADEIRA, Lígia Mori. Brasil 500 mil presos: campeão mundial em crescimento carcerário (1). 2011. Luiz Flávio Gomes. Disponível em: <http://professorlfg.jusbrasil.com.br/artigos/121823480/brasil-500-mil-presos-campeao-mundial-em-crescimento-carcerario-1>. Acesso em: 11 abr. 2015.
SACHS, Ana. Número de presos cresce 81,53% no país entre 2000 e 2007, mostra pesquisa. 2009. Disponível em: <noticias.uol.com.br/cotidiano/2009709/207ult5772u5338.jhtm>. Acesso em: 11 abr. 2015.

Nenhum comentário:

Postar um comentário